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CLÁUDIA HARTLEBEN
Como será que lembras de como foi?
𝑁𝑎 𝑡𝑢𝑎 𝑐𝑎𝑏𝑒𝑐̧𝑎, 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑡𝑒𝑟𝑖𝑎𝑚 𝑠𝑖𝑑𝑜 𝑐𝑎𝑑𝑎 𝑑𝑖𝑎, 𝑑𝑒𝑠𝑡𝑒𝑠 𝑞𝑢𝑎𝑠𝑒 𝑑𝑒𝑧 𝑎𝑛𝑜𝑠 𝑒𝑚 𝑞𝑢𝑒 “𝑑𝑒𝑠𝑎𝑝𝑎𝑟𝑒𝑐𝑒𝑠𝑡𝑒” 𝑐𝑜𝑚 𝑎 𝐶𝑙𝑎́𝑢𝑑𝑖𝑎 𝐻𝑎𝑟𝑡𝑙𝑒𝑏𝑒𝑛?
𝗣𝗼𝗿 𝗠𝗮𝗿𝗰𝗲𝗹𝗼 𝗡𝗮𝘀𝗰𝗲𝗻𝘁𝗲
Quanto a mim, não há um dia em que, em algum momento, do nada, a história dela me passe pelas sinapses. E logo eu – que só me envolvi nisso por tua causa; afinal não fosse tua ação, a professora Cláudia ainda estaria ensinando pessoas, fazendo planos pra vida, amando sua família, dividindo o terreno com sua mãe, dona Zilá – Já ouviu falar sobre ela? Ou vais me dizer que nunca viste um jornal com a sua foto?
Nunca mais foi a mesma, imaginas? A pessoa míngua quando acontece algo assim, que parece impossível, logo dentro da casa de qualquer um de nós. De um parente…
Por falar nisso, tens algum parente? Me desculpa… não quero te incomodar, mas tente entender: escrever isto aqui é como dar um tiro na lua! E eu precisava fazer, porque existem duas possibilidades:
ou (o que pode ser provável pois, além de não ler notícias, uma pessoa desaparecer ou não, tanto faz… no entanto, mesmo sabendo seres o responsável, não sentes nada a respeito – então tanto faz eu escrever ou não, certo?);
ou nunca fizeste nada parecido antes e – com arrependimento ou prazer, (vai saber?) – penses nisso o tempo inteiro…
Pois essas são coisas que me passam pela cabeça, entende? Que jeito terás? Trabalhas em alguma coisa? Conversas com alguém? Sentes revolta contra o mundo por algum motivo? Sei lá, juro, estou tentando te entender… Não tinhas nada com isso, mas viu a oportunidade de quem sabe, fazer uma grana? (Não há julgamentos aqui! Mas curiosidades…)
Acho que não… já que carro, notebook, nada de valor não foi levados. Aliás, a camionete de Cláudia foi levada para casa e lá ficou, estacionada na garagem, com a chave na ignição (como era costume dela mesma)…
Ficou certo que não és um arrombador de casas, já que a polícia esclareceu que não houve nenhuma entrada forçada. Mas podes ser esperto o suficiente para ter entrado no carro dela no meio do trajeto de 10 minutos, (durante o trajeto entre a casa da amiga – onde estava – e a sua…) Digamos, por exemplo, que imaginaste que ela moraria sozinha (contavas com a “sorte” ou com o “tanto faz”) e, desculpa, não me resta outra alternativa: não querias carro, cartões, dinheiro, nada… querias ela?
Por favor, preciso tanto entender a tua lógica.. teu plano, teu por quê!
E o mais bizarro disso tudo: por que te foi tão importante sumir com o corpo, já que não haviam provas contra ti? (Ah, mas poderiam ter e não sabias… pode ser?) Cogito isso. Mas mesmo assim: atacas teu alvo, não tens interesse em dinheiro, estupro parece pouco provável, já que em perícias no carro e na cama da vítima (ou em qualquer outro lugar) nada foi encontrado, que sugerisse algo assim.
Sigamos a lógica: foges e deixas ela lá? Não! Foges e a levas contigo? Possível… mas em que carro? Não chamaste um Uber do telefone dela…
Ao longo dos anos cogitei centenas de explicações: abdução, máfia, ela ser do serviço secreto e por isso ter sido eliminada… ter encontrado um portal à outra dimensão, ter decidido de forma compulsiva largar tudo que amava e cometer um suicídio, tão bem elaborado, para que ninguém encontrasse seu corpo?
Por fim… a segurança pública não encontrou provas de absolutamente nada que comprovasse o que quer que fosse. O Ministério Público, tampouco; mesmo recorrendo a fontes consideradas “metafísicas”. Nada!
Como disse, faço um disparo contra a lua neste texto. Posso estar escrevendo a uma pessoa que jamais se saberá quem é, mas que sabe que é… e têm coisas sobre as quais não consigo parar de pensar: valeu a pena? ao mesmo tempo, como conseguiu ser mais planejada e, ao mesmo tempo, tão covarde?
Devem existir meios anônimos de contar onde deixou seus restos. Seria o mínimo para confortar centenas de parentes e amigos, de certa forma. Por outra perspectiva, não ser capaz de gestos mínimos e básicos a outros, como permitir ser enterrada por seus entes de forma digna, é algo tão vil, que demonstra tanta falta de humanidade que agora, numa segunda-feira, às três da manhã, me serve de combustível para, cada vez mais, bater nesta mesma tecla…
Com respeito, admiração (pela professora Cláudia Hartleben), a insistência deste texto tem o intuito de dizer que não vou esquecer. E no que depender de mim, nem o responsável por abreviar sua vida.
Foto: Fabrício Bassi